Uaine, o sucesso de “30 Etnias de Guiné-Bissau” e a forma como as redes estão a mudar o cenário musical no país

Na Guiné-Bissau, a cultura sempre foi um espaço central de identidade e resistência. Desde os tempos de José Carlos Schwarz e dos Super Mama Djombo, que transformaram canções em símbolos da luta pela independência, até às novas gerações que encontram nas plataformas digitais uma alternativa para chegar ao público, a música tem sido veículo de coesão social e expressão política. Ainda assim, o país continua sem uma indústria musical estruturada, faltam estatísticas oficiais sobre o setor e muitos artistas dependem do seu próprio esforço para iniciar uma carreira. Apesar dessas fragilidades, iniciativas recentes, como o apoio do programa PROCULTURA à produção de estatísticas culturais e a integração de Bissau na Rede de Cidades Criativas da UNESCO na vertente musical, mostram sinais de mudança e reconhecimento internacional.

É neste cenário que surge Baionco Albino Sanca, conhecido artisticamente como Uaine. Nascido em Cumeré e residente desde criança em Missira, um dos bairros periféricos de Bissau, o jovem traz consigo uma história que reflete os desafios de muitos artistas guineenses: começar sem apoio, sem indústria consolidada e com todos os esforços nas próprias mãos. Ainda assim, decidiu arriscar e hoje colhe os primeiros frutos no mundo musical guineense.

No final de agosto, estreou-se com “30 Etnias de Guiné-Bissau”, tema cuja produção foi assegurada por KK Pro e que contou com o apoio de Abdel Deepak. Em declarações à BANTUMEN, o artista confessa que a faixa nasceu da vontade de ver o povo unido e não esconde a surpresa com o sucesso. “Nunca imaginei que a música fosse repercutir tanto”, confessou, emocionado com o impacto da sua primeira obra. Por trás do sucesso, conta, está a mãe - pessoa que tem como inspiração. “Foi ela que me deu força para acreditar no meu talento e seguir o sonho da música.”

Em apenas um mês, a música ultrapassou as 800 mil visualizações, alcançando uma expressiva repercussão junto do público. O tema não só marcou o início da sua carreira, como abriu espaço para uma nova voz na música nacional, impulsionada pela dinâmica de redes sociais como o Youtube e TikTok.

Apaixonado pelo futebol e pela música, Uaine procura equilibrar as duas paixões, fundindo-as no seu estilo de vida e inspirando-se em artistas como Binham Quimor, que levaram a música guineense para o mundo. Durante a conversa, destacou ainda as dificuldades que novos talentos enfrentam no país: “Não existe uma verdadeira indústria musical aqui, e muitas vezes falta apoio. Tudo fica nas nossas mãos até que alguém decida confiar no nosso trabalho”. As barreiras estruturais ajudam a perceber a dimensão do êxito de “30 Etnias de Guiné-Bissau”, que se afirmou não apenas como um marco pessoal, mas também como sinal de que, mesmo sem uma rede consolidada, é possível alcançar o público e projetar a música guineense para lá das fronteiras nacionais.

A par de Uaine, também MC Tchabaco ilustra o papel das redes sociais na promoção e divulgação de novos talentos. O autor de “Dama na Fasi Fama” recebeu recentemente apoio oficial do Ministério da Cultura, Juventude e Desportos da Guiné-Bissau para a gravação da faixa e produção do vídeoclipe, depois de o single ter viralizado no digital, acumulando um total de 204 mil visualizações globais, das quais mais de 168 mil no TikTok.

A estreia “30 Etnias de Guiné-Bissau” evidencia a vitalidade da música guineense e a capacidade das novas gerações de explorar a riqueza cultural do país. Entre desafios estruturais e oportunidades digitais, artistas como Uaine mostram que é possível afirmar-se no cenário nacional e internacional, reforçando o papel da música como expressão de identidade e elemento de união social.