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As alterações que atravessam o mercado laboral, impulsionadas pela digitalização, pela expansão da inteligência artificial e pelas exigências das novas gerações, estão a redefinir a forma como as empresas estruturam o trabalho, organizam equipas e constroem cultura interna. O fenómeno é transversal e apoiado por estudos internacionais que ajudam a afastar leituras centradas apenas na narrativa corporativa.
A Gallup estima que cerca de 60% dos trabalhadores com funções compatíveis preferem modelos mistos, enquanto um terço opta pelo trabalho totalmente remoto e menos de 10% deseja regressar exclusivamente ao escritório. A WTW indica que 60% das organizações permitem aos colaboradores escolher livremente os dias remotos, ilustrando a deslocação de poder de decisão para os trabalhadores. A CIPD, por sua vez, sublinha que 74% das empresas europeias operam hoje em regime híbrido, com assimetrias significativas entre setores. A isso somam-se dados do Global Workforce Hopes and Fears Survey da PwC, que mostram que 54% dos trabalhadores utilizaram ferramentas de IA no último ano, mas apenas 14% as aplicam diariamente, revelando uma fricção entre inovação tecnológica e adoção prática.
Paralelamente, a literatura internacional coloca crescente ênfase na “escuta contínua” dos trabalhadores. A McKinsey refere que organizações que integram sistemas regulares de auscultação interna - mais do que questionários esporádicos - apresentam melhores indicadores de retenção, menor rotatividade e maior capacidade de antecipação de conflitos. O debate académico converge num ponto: a cultura organizacional deixou de ser um elemento periférico e tornou-se uma variável crítica para atrair e estabilizar equipas, especialmente entre a geração Z.
É neste enquadramento global, marcado por uma exigência crescente de flexibilidade, bem-estar e participação, que se observam vários exemplos de adaptação ao contexto português. No prologamento do diálogo iniciado no MIA, com o debate “Gerações em Mudança: Como trabalhamos, criamos e pertencemos”, a BANTUMEN falou com Rita Moreira, Team Leader da equipa de Talent Acqusition em Portugal, que explicou a forma como a empresa espelha algumas das tendências verificadas no cenário internacional, numa altura em que decorre também um processo de recrutamento nas áreas de Banca de Investimento e Risco e das Tecnologias da Informação.
A instituição tem procurado estruturar mecanismos de escuta continuada, entendendo que o mapa emocional e operacional das equipas já não pode ser aferido apenas por avaliações anuais ou por métricas de produtividade. O programa de Employee Listening surge, nesse sentido, como tentativa de criar um circuito permanente de feedback, ajustamento e envolvimento, numa lógica que acompanha o movimento internacional para transformar o trabalhador num agente ativo na definição da experiência laboral.
A aposta em bem-estar segue a mesma lógica e o espaço desportivo com aulas diárias, funciona como dispositivo de rotina num contexto híbrido, onde a fronteira entre trabalho e autocuidado se torna mais ténue. As consultas de nutrição e psicologia disponíveis no escritório pretendem preencher uma lacuna frequente nas empresas: a distância entre políticas formais e acesso efetivo a cuidados especializados. A sala de amamentação e a prayer room [sala de orações] acrescentam camadas distintas de resposta, uma ligada à parentalidade; outra à expressão espiritual, ambas dimensões que muitas vezes ficam à margem das políticas de recursos humanos e que hoje começam a ser incorporadas como fatores estruturantes. A política pet friendly alarga a noção de “ambiente de trabalho” para esferas antes consideradas extra-laborais, traduzindo uma interpretação mais ampla do que significa bem-estar.
Entre os fatores que sustentam parte desta nova abordagem está a entrada da Geração Z no mercado de trabalho, cuja presença se faz sentir não apenas no volume, mas na qualidade das expectativas. No caso da Natixis em Portugal, Rita reconhece que esta geração chega às empresas com exigências claras em torno de “escuta ativa, flexibilidade, bem-estar e autenticidade”, elementos que passaram a orientar a evolução das políticas internas.
Estas expectativas não se traduzem apenas em preferências por modelos híbridos ou dinâmicas informais; representam uma visão alargada sobre o papel do trabalho, que integra identidade, saúde mental e condições de pertença como partes estruturantes da experiência profissional. Empresas que ignoram estas pressões enfrentam crescentes dificuldades de retenção num mercado global onde o talento jovem tem maior mobilidade e menor tolerância a culturas organizacionais rígidas.
A diversidade interna, sustentada pela convivência de cerca de 47 nacionalidades, coloca a empresa perante desafios que ultrapassam a representatividade estatística. O trabalho das equipas dedicadas a género, deficiência e pertença traduz um esforço para transformar diversidade em prática quotidiana. Iniciativas mensais como o Village of the Month funcionam tanto como momentos de celebração cultural quanto como dispositivos de contacto num ambiente onde a interação espontânea diminuiu com o avanço do trabalho híbrido.
É neste ponto que a dimensão da liderança assume especial relevância e Rita Moreira descreve a necessidade de uma postura mais atenta e interpretativa, sublinhando que “a escuta ativa dos membros da minha equipa” é central para compreender necessidades e dificuldades e, dessa forma, “garantir o bem-estar de todos”. Acrescenta que a capacidade de “adaptação a cada membro da equipa” e a flexibilidade para acompanhar ritmos distintos são determinantes para manter uma equipa “coesa e satisfeita no dia-a-dia de trabalho”. Este tipo de abordagem traduz uma nova pressão sobre os líderes, com a autoridade formal a deixar de ser suficiente, exigindo-se agora uma presença mais interpretativa, capaz de ler a complexidade emocional das equipas e de atuar em conformidade.
O caso da Natixis, visto em conjunto, não constitui uma exceção, mas abre portas a um retrato das tensões que atravessam várias organizações: como equilibrar políticas de bem-estar com produtividade, como transformar diversidade em prática quotidiana e como liderar equipas que já não partilham o mesmo espaço, nem o mesmo tempo. A resposta que a empresa ensaia é apenas uma das muitas possíveis, mas oferece um ponto de observação sobre os desafios que moldam o presente e o futuro do trabalho.
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