Carta aberta aos homens negros que odeiam as mulheres negras

July 1, 2025
homens negros que odeiam as mulheres negras
Fotografia de @disparo.da.ines

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Há uma pergunta que tem martelado na minha cabeça nos últimos tempos, uma daquelas que não se faz em voz alta sem correr o risco de parecer ofensiva, agressiva ou, no mínimo, polémica: por que razão tantos homens negros odeiam as mulheres negras?

Sim, é mesmo essa a pergunta. Dura, incómoda, direta. Mas quem vive com os olhos e ouvidos abertos sabe que ela não vem do nada. Há uma crescente narrativa, vinda de dentro da nossa própria comunidade, que empurra a mulher negra para as margens até quando se fala de amor, respeito e companheirismo. Dizem que não serve para casar, que é “difícil”, que é “má”, que tem sempre a cara fechada. E quem diz isso não são apenas os outros. São os nossos.

Durante muito tempo tentei justificar esta tendência com o contexto de muitos desses homens, nascidos ou criados na Europa, a crescerem num ambiente que normaliza padrões de beleza eurocêntricos e que desde cedo lhes ensinou a afastar-se da sua negritude, a embranquecer desejos, vontades e até afetos. Mas essa explicação cai por terra quando olho para a minha própria vivência. Cresci em Portugal. Estou cá há mais de 28 anos. E nunca me passou pela cabeça considerar a mulher negra como algo menos.

Um amigo meu costuma dizer que “não se critica um negro em praça pública”. E, em parte, ele tem razão. Somos os primeiros a ser apontados, maltratados, deturpados pela sociedade. Não devíamos reforçar essa lógica entre nós. Mas também não podemos continuar a fingir que o problema não existe, especialmente quando o alvo são as mulheres negras, as nossas mães, irmãs, parceiras, amigas.

São elas que, além do racismo estrutural, ainda carregam o fardo do machismo dentro e fora da comunidade. Quantas têm sido vítimas de racismo obstétrico, aquela violência silenciosa que atravessa salas de parto e consultas médicas? Quantas foram humilhadas, agredidas, silenciadas ou até mortas nos últimos anos como Cláudia Simões ou Maria Luemba? E até quando vai continuar este ciclo de violência, visível ou disfarçada?

Dividir para conquistar nunca foi solução. Mas há homens negros que continuam a repetir, com a mesma voz dos colonizadores, que a mulher negra “não vale a pena”. Estão entre nós. Nos jantares, nas conversas, nas redes sociais, escondem o ódio em piadas machistas, em vídeos virais, em comentários que dizem mais sobre a sua insegurança do que sobre quem criticam.

Ontem vi um desses vídeos, onde um homem negro explicava que evitava ser atendido por uma mulher africana. “São sempre antipáticas” - dizia ele. Por três vezes repetiu o seu preconceito em forma de explicação. O que mais me espantou não foi o vídeo em si, mas os comentários. Homens negros, muitos, a concordarem. A perpetuarem esse estereótipo da mulher negra como agressiva, fria, amarga.

Afinal, que tipo de homens estamos a criar? Que tipo de masculinidade é esta que rejeita a sua origem e vira as costas àquela que os trouxe ao mundo, que cuida e valoriza antes de qualquer outra. Qual é a necessidade de serem tão violentos com quem já é o alvo?

Precisamos ser melhores. Mais conscientes. Mais feministas. Defender a vida e os corpos das mulheres negras é urgente. Não só porque são as que mais sofrem, mas porque nelas vive a essência de quem somos enquanto povo. Como dizia Efu Nyaki: “Metade do mundo são mulheres. A outra metade, os filhos delas.”

E sendo eu próprio pai de duas meninas e dois meninos, o medo e os receios atravessam o meu pensamento todos os dias. Não basta proteger as nossas filhas, é necessário educar os nossos meninos a serem melhores, a valorizarem as nossas, a reconhecerem nelas a dignidade que o mundo teima em negar. O futuro que queremos começa por aí: na forma como ensinamos os nossos filhos a amar e cuidar. Para que eles saibam amar, e elas sejam amadas.

Ser homem negro num mundo que insiste em apagar-nos já é um ato de resistência. Mas amar, proteger e valorizar a mulher negra, isso sim, é um ato de revolução.

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